é novo, fica no porto, tem um chef com 28 anos e já é um dos melhores restaurantes do país
O assunto é sério. Ainda estou em choque. Preparo-me para abandonar o meu lar e rumar para o Porto. Já fiz a mala, já arrumei as minhas trusses, já coloquei o babete. Arrisco-me a ser ofendido por todos os marialvas da Madragoa, mas tenho de o dizer: descobri no Porto aquele que concorre seriamente no campeonato dos melhores restaurantes do país. Ok, está dito. Agora não há nada a fazer. Podem vir o Anthony Bourdain e o Robert Parker aos pulos chamar-me analfabeto gastronómico. Mas é o que eu acho. E, neste caso, por uma vez na vida, Ela até está de acordo comigo. Esta preciosidade abriu em Março e chama-se LSD. E o nome faz algum sentido: este restaurante é de fritar os neurónios de qualquer pessoa que goste de comida.
A ementa
Começa a loucura com o couvert (€2,00). Para a mesa vem logo uma maragnífica (maravilhosa+magnífica) manteiga fumada feita no restaurante e uma deliciótima (deliciosa+óptima) pasta de caril com amendoins lado a lado com três tipos de pão: sementes de girassol, broa e pão normal. Só esta entrada já seria suficiente para nos deixar em sentido. Mas o problema é que o almoço foi num crescendo até às nuvens.
As entradas
Começámos com um espectacular escalope de foie gras (€9,00) salteado por cima de um divinal puré de castanhas (somos os dois verdadeiros hooligans no que toca a castanhas), com erva doce e um pouco de vinagre de framboesas. A mistura é perfeita. E seria o momento mais explosivo da tarde se, logo a seguir, não tivessem chegado duas deliciosas canilhas de queijo de cabra (€5,00) com texturas de beterraba e peta-zetas a rebentarem na boca. As canilhas são pequenos tubos estaladiços com o queijo de cabra por dentro. E a beterraba vem em gelado (muito bom) e em pó. Espalhadas pelo prato estão as peta-zetas. A ligação entre o ligeiro adocicado do gelado de beterraba e o salgado do queijo de cabra está magnífica. Para mim, o único problema deste prato é o facto de as peta-zetas terem mergulhado no líquido do gelado, tendo perdido mais de metade da sua capacidade de estalarem na boca.
Nesta fase do almoço, eu já estava a fazer contas ao preço das portagens para ver se me ficaria muito caro ir almoçar todos os dias ao Porto. E ainda nem sequer tinha experimentado o melhor.
Os pratos
Depois de termos dividido as entradas, separámo-nos como se estivéssemos a assinar o divórcio. Ela pediu um fantástico naco de atum (€18) com batata doce (em pedaços e em puré), manteiga de ervas e salada de ervas. O atum estava muitíssimo bem cozinhado, encarnado por dentro e marcado por fora, e trazia por cima a óptima manteiga de ervas. A batata doce, cor de laranja viva, desfazia-se na boca.
Eu optei pelo lombo de veado (€20) com beterraba e castanha (duas castanhas a zero). E descobri um dos melhores acompanhamentos que já experimentei nesta curta vida levada com uma mentalidade de criança de 6 anos: cevadotto de beterraba, queijo de cabra e laranja. E aqui fazemos uma pausa dramática. Este assunto é delicadíssimo e requer toda a sua concentração. Faça de conta que está a ver um filme do Manoel de Oliveira e que precisa de apanhar cada palavra dita para tentar compreender a história: o cevadotto é um risotto de cevada, servido num tachinho pequeno com uma mistura de cores e sabores absolutamente arrebatadora. Além de mais leve do que o risotto, é também muito mais surpreendente. Uma pequena Mona Lisa da culinária.
Ultrapassada esta fase, já nada nos poderia surpreender. Verdade?
Sobremesa
Mentira. Depois de uns minutos a olharmos indecisos para a ementa, seguimos o conselho da ultra-simpática empregada e fomos pelo figo, queijo da serra e azeite com crumble de broa de mel e noz (€6). Confesse lá, teve a mesma reacção que nós tivemos, não foi? Figo, queijo da serra e azeite?! Mas o que me apetecia mesmo agora era um doce...
Erro! O figo não é bem figo, é confitado. O queijo da serra não é bem queijo da serra, vem numa levíssima espuma. E o azeite não é bem azeite, é uma bola de gelado de azeite ligeiramente doce. A combinação destas três surpresas, quando colocadas na boca em simultâneo, é o vulcão dos Capelinhos a entrar em erupção. Então se juntar o crumble que, no fundo, são grãos tostados e caramelizados de broa de mel e noz, acabou de entrar no paraíso. É claro que, estando nós no Porto, tivemos de acompanhar a sobremesa com um Tawny 10 anos.
O serviço
Há dias em que tudo corre bem. Desde a recepção:
- Boa tarde, eu guardei-lhes uma mesa na sala interior porque acho mais agradável, mas se preferirem ficar nesta sala não tem qualquer problema.
À indumentária descontraída e simpática: todos os empregados estão vestidos com umas jardineiras de ganga e T-shirts amarelas.
Passando pela simpatia: a empregada conseguiu estar sempre com um sorriso na cara, típico de quem adora o que está a fazer.
E pela atenção: o gerente veio à mesa levantar os pratos principais e perguntar se tínhamos gostado de tudo.
Todos os empregados aqui conhecem os pratos que servem com detalhe, dão opinião sobre cada coisa que se pede, esclarecem e aconselham. Não estão ali simplesmente para servir. Estão ali para o ajudar a ter uma refeição perfeita. E é isso que distingue os empregados competentes dos empregados excepcionais.
O ambiente
A decoração tem a sobriedade do bom gosto e a modernidade da ousadia. Os pratos têm diferentes cores, mas são todos naquela louça baça envernizada que Ela anda há anos a ver se consegue encontrar cá para casa. As mesas são de pedra e o chão é de cimento afagado. Tudo em tons de cinzento (claro e escuro) e preto. Numa das paredes vêem-se os tijolos pintados de preto por cima. Noutra, estão uns pratos pendurados. Todo o ambiente é muitíssimo acolhedor e familiar. Nós fomos lá almoçar num fim-de-semana. E o que se viu mais foram famílias: do avô até aos miúdos. É um espaço alegre e muitíssimo agradável de estar. E ficar. E ficar. E ficar.
As crianças
Nós fomos sem crianças. Mas desde que lhes descrevemos este almoço que elas babam só de nos ouvirem. Se quiser, tem menu infantil, com bife, ovo e batata, uma bebida e um gelado por €12.
Agora só precisamos de referir o nome do responsável por tudo isto: desde o cevadotto de beterraba até à espuma de queijo da serra, passando pelos gelados de azeite ou de beterraba. Chama-se João Pupo Lameiras, tem 28 anos e já é um dos pequenos génios gastronómicos deste país. Eu sou fã – dele e do Porto.
O bom
O ambiente, a decoração e o serviço
O mau
Só talvez as peta-zetas que estalavam pouco
O óptimo
A comida
Um abraço para todos os jovens génios deste país onde quer que eles estejam,
Ele
fotos: lsd e casal mistério